Um ponto do texto “A Coisa Freudiana”

Virginia Guilhon

O texto A Coisa freudiana ou Sentido do retorno a Freud em psicanálise, de Lacan, me convocou a falar, ou melhor, a escrever sobre a Verdade. Mas como falar de algo que não pode ser enunciado? Como falar de algo que não se busca e alcança, mas que simplesmente esbarra em nós? Então, estava quase desistindo quando escutei no Seminário de Alayde o seguinte: a Verdade é instaurada pelo significante, mas não se vai encontrá-la no significante.

Quando escutei isso, me animei a escrever.

Quando nos deparamos com um significante que não estava lá antes, um significante novo e “pensamos” que ele diria o que somos, diria a nossa Verdade, não, não é aí que chegamos. Ele até diz algo de nós, mas não se chega a um sentido último que defina nossa Verdade.

De fato, Verdade e sentido não são termos conjugados em comum. É claro que a cada vez que se fala, algo da Verdade é articulado em nível do sujeito. Mas não é ele que fala a Verdade. Lacan diz: “Eu, a verdade, falo” (p. 410). Quem fala é a própria Verdade. Mas é sempre bom se perguntar quando algo da Verdade surge: quem fala? Lacan responde: “isso fala, e sem dúvida o faz onde menos seria de se esperar, ali onde isso sofre” (p. 414).

Diz Lacan que “a descoberta de Freud questiona a verdade, e não há ninguém que não seja pessoalmente afetado pela verdade. […] [Isso] está inscrito no próprio cerne da prática analítica, já que também esta sempre refaz a descoberta do poder da Verdade em nós e até em nossa carne” (p.406). Essa verdade, que é ela? – pergunta-se Lacan. E por que ela está e sempre estará inacessível a nós?

O sujeito se inscreve no Outro a partir e com uma perda. Ele entra na cadeia significante, mas o significante que diria dele (S1) está perdido. Só lhe resta se inscrever em (S2) que é o que pode ser dito dele. Mas, por mais que ele tente, não é possível apreender o que ele é, pois o desejo do Outro, onde ele se inscreveu, que poderia situá-lo em relação à sua Verdade, é um x, é para sempre uma incógnita.

Posso então dizer que o mais próximo da Verdade que se pode chegar é à “constatação” de que somos um “ser” em quem falta algo, que somos castrados de saída por entrar na linguagem?

Indo mais um pouco: por mais que eu passe anos e anos me deslocando de significante em significante, sempre algo vai escapar ao entendimento porque não há o significante que permitiria fechar o círculo. Assim, a Verdade fala, mas não há possibilidade dela dizer o que sou – ela só vem num semi-dito e em forma de enigma.

A forma em que a Verdade fala é a de um enigma. Mas coisa interessante: resolver o enigma não faz a gente alcançar a Verdade. Édipo dissolveu o enigma com o traço marcado pelas gerações – o dos pés. Mas isso não o fez chegar à Verdade. Não tem jeito: jamais poderei dizer a Verdade do que sou – não há significante para isso.

O sujeito se perde e se aliena no significante, mas o que ele não sabe e nunca vai saber é o ponto de sua perda. Mas quando você fala algo num tropeço e não dá mais para seguir adiante do mesmo jeito, sabe que algo relacionado à Verdade esbarrou em você.


 

*Texto escrito a propósito da jornada do dispositivo Trabalho de Estudo: Fundamentos da Clínica Psicanalítica, realizada na AEPM em junho de 2021.