Nomear é desconhecer

José Oceli

Lacan diz que o “não” não é uma simples segunda invenção.  Mostra que “o momento da primeira conjugação de uma emissão vocal com um signo” tem a ver com o não. Lacan pergunta: “o que há de mais destruído e apagado que um objeto?”. O objeto, para ser objeto, está perdido e separado das palavras, para se constituir objeto.

“Se é do objeto que o traço emerge, é algo do objeto que o traço retém: precisamente sua singularidade”. O traço como consequência do apagamento do objeto. O traço retém algo do objeto.

A primeira nomeação seria como dizer um não à coisa em si: a afirmação da coisa é simultânea à sua negação (afirmar é negar). Lacan diz que A não é A. B não é “bê”. As letras não são os fonemas. Nesse sentido, o ato de falar, por si só, e como um todo, seria inconsciente?

Lacan fala da relação do objeto ao nascimento de algo que se chama o signo.

Objeto – traço – signo – escritura

“O momento em que alguma coisa está lá para ser lida, lida com a linguagem, quando ainda não existe escritura. E é pela inversão dessa relação, e dessa relação de leitura do signo, que pode nascer em seguida a escritura, na medida em que ela pode servir a conotar (ela, escritura) a fonematização”.

Talvez possa se pensar que a negação da coisa seria criar o próprio status de sua existência: nomear, com um nome que não é ela mesma. Além do mais, qual seria mesmo a necessidade de afirmar que algo é ou está, não fosse a inacessibilidade à coisa?

Nomear é desconhecer o objeto: faço relação com o objeto através de um nome, que, por sua vez, é fruto do ato retroativo de certificá-lo. A nomeação do objeto seria o próprio ato de refutá-lo, de desconhecê-lo, criando lugar para a destruição do objeto entre as letras. Entre letras que o acolhem e não dizem que lugar de objeto é no lugar de objeto. Há a precipitação da nomeação. Isso tem chamado muito a minha atenção.

Objeto e traço só podem gerar signo através do ato de fala que, após o desconhecimento da coisa e perda do objeto, pode ser lido como ato de alguém.  E o falante é causado no mesmo tempo da impossibilidade do objeto, mergulhando no que é palavra. E, assim, o ato de contar não seria um ato pessoal, mas de sujeito. Na origem, o desconhecimento.

Pergunto-me: o falante, no que se apoia, é identificado com o Significante que não está lá? Ou seja, o falante é identificado com o Significante que, por estar ausente, causa o enlace fonemático resultante entre objeto-traço-signo?

Lacan mostra que o nome próprio consegue enraizar o sujeito. O nome próprio seria um bilhete único que dá acesso a todo o parque? Algo que escapa da operação entre objeto e traço e que traz o signo? Algo que, de alguma forma, se desviaria do apagamento do objeto? Acho isso muito difícil

Isso me faz lembrar um pouco do esquema ótico e de que o sujeito (o sujeito) deve perder a si mesmo para o espelho: ele perde sua imagem para, em seguida, persegui-la. Enigma insolúvel. Pessoa e sujeito não podem se encontrar. Uma crueza, paradoxalmente cega e estampada, dessa perda que insiste em se fazer presente, intocada pelo tempo, apagada e tão presente…

Objeto – traço – signo – escritura – fonema – nome próprio – imagem.


 

*Texto escrito para a Intersecção, encontro de trabalho entre a AEPM e o Cartéis Lacanianos, realizado em maio de 2021, a partir das elaborações do Seminário IX: A identificação.