Só se saberia do que existe. O que existe está sempre à frente, à espera da autenticação deste status. Do contrário, tudo já seria. Mas quase nada é. O que existe, está sempre à frente, como promessa do que se vai saber. Ali, as coisas existiriam – só se eu soubesse… Ponto em que toda uma vida pode ser confundida com o que se vai saber.
O que existe precisa estar longe. E quanto mais longe, mais linha o horizonte. Mas aquilo que tem existência é aquilo que apago aqui, e que se torna profecia lá. E tem-se um caminho a percorrer, uma vida inteira para saber. Brincar de conhecer, para nunca ter que saber. Conhecimento não é saber e o desejo de saber não nos conduz ao saber, nos diz Lacan nas primeiras páginas de O Avesso da Psicanálise (…le désir de savoir ce n’est pas ce qui conduit au savoir…) (pag. 14 – versão Staferla). O horizonte também se afasta à medida em que se anda, guardando o que não sei – o horizonte se recoloca. A gente nunca vai saber.
É forte a crença de que adio o encontro, e de que o Horizonte está no futuro (ligação entre o tempo e o espaço, onde o espaço se torna temporal). Não quero saber que o impossível é aqui. Se afasta o futuro da mesma forma que se é empurrado do passado, para ser salvo exatamente onde o impossível é, aqui.
Muitas coisas para saber! Multiplicadas adiante em coisas que devem ser sabidas. No que é tomado como uma coincidência, o horizonte está à altura, ao alcance dos olhos. Por que o horizonte não está fora do alcance desses olhos? É de onde se enxerga. Ele nos aguarda à frente, nos guarda aqui. O mundo é feito de horizonte. É a prova, em uma linha distante e não escrita, de que não se quer saber. Deixe ele lá!
Quando acontece de o horizonte não se renovar, o horizonte se aproxima e cai de cima, deixa de estar à frente. Vem a tempestade, vem a aproximação angustiante entre o Espaço e o Temporal. Só a chuva traz isso… até que… “águas passadas!” O horizonte se recoloca, na chance renovada da ignorância fundamental, da distância outra vez cheia das coisas que não se sabe, das maldades, das bondades, da arrogância e pequenez daquilo que é mera unidade. Promessa da vinculação a se cumprir entre a categoria do longe à do depois, às custas da salutar ignorância, daquilo que acha que sabe.
Quando o Céu se abre…“Ce manque d’oubli c’est la même chose que le manque à être, car être ce n’est rien d’autre que d’oublier” (Essa falta de esquecimento é a mesma coisa que a falta a ser, porque ser não é outra coisa senão esquecer). (Seminário XVII, p. 30 – versão Staferla)
…”c’est que pas trop, mais juste assez, il m’arrive de vous faire honte” (É que, não muito, mas só o suficiente, hoje me acontece de fazer vergonha a vocês (Seminário XVII, p.129 – versão Staferla).
*Texto escrito a partir do dispositivo Trabalho Preparatório para o Seminário de Verão da ALI – 2024, coordenado por Valéria Lameira e Virginia Guilhon.