Subversão

Luiza Jansen

 

“Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas, antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou”.  Clarice Lispector em A Hora da Estrela

 

Este escrito eu intitulei Subversão, um título que me veio em sonho, só o que posso dizer. Mas, talvez fique mais claro à medida que escrevo. Subversão no sentido do desejo e não no sentido político, cabe dizê-lo. Isso talvez venha da ideia de que a posição ética na Psicanálise é a posição do sujeito.

Nesta leitura e trabalho com o seminário A ética da psicanálise, me detive no primeiro momento em um ponto que levei também para o trabalho na Oficina da Clínica das Psicoses. Isto porque, ao menos em dois momentos específicos, Lacan fala de paranoia. Entretanto, esse desenvolvimento ficou pelo caminho. Se volto a esse primeiro momento é porque, mais ao final do trabalho com o Seminário, me ocorreu a lembrança desse ponto. Lacan se detém longamente sobre uma série de operações que, em síntese, permite pensar no corte ou separação de a Coisa e o que dela se apresenta para nós uma vez que acerta na palavra. Digo série de operações porque nesse ponto do Seminário, ele se refere não apenas àquelas nomeadas por Freud, tais como o recalque, a rejeição… Mas, tudo o que permite essa separação e a articulação na palavra. Pois bem, me interessei pelo problema das identificações ao pai, assim no plural, as identificações.

Lacan situa no texto de Freud uma identificação primeira ou primária. É o texto Psicologia das Massas. Lacan vai trabalhar com a noção de Ideal do eu. Lembro do Grafo do Desejo em que tem-se uma volta primeira, que apresenta o S barrado, o sujeito e o I(A). Volta, passagem… pela cadeia significante.

O seminário A ética da psicanálise tem muitas referências, mas preferi seguir essas identificações. Entretanto, para segui-las, outra referência a Freud: a da Lei em Moisés e o Monoteísmo e sua volta, subversão a Totem e Tabu. O pai que é função, pai morto, Nome-do-Pai. Não sei se estou conseguindo dizer isso. Mas, temos esse mito estabelecido por Freud que apresenta um paradoxo. Os filhos matam o pai para se submeter à Lei. O mito de Moisés restabelece o assassinato do pai e a instituição da Lei,  mas Freud insiste no acontecimento. Estatuto de real, de realidade histórica. Tem-se a letra impressa na Tábua e tem-se essa insistência na existência de Moisés. De todo modo, o assassinato… O Mito de Édipo exige um crime, um criminoso. Com Lacan é possível fazer isso passar em três registros: Real, Simbólico e Imaginário. Identificação ao pai, simbolização pelo nome-do-pai… não sem esta “vocação para a neurose”, estabelecida pela identificação primária.

Se nos situamos no campo da neurose, das neuroses, é preciso introduzir a Lei e a transgressão, o crime, o assassinato do pai, o desejo incestuoso. Não me parece bastar para situar os termos nos registros. Para ir adiante, não basta a saída das identificações que resulta nas formações inconscientes. Por essa via, continuamos a falar.

Se temos alguém para endereçar essa fala, creio — não é uma certeza — que é possível uma análise. Se for possível ir até o final da análise, Lacan nos diz que é daí que resulta o analista. Minha hipótese é de que nesse ponto não só é possível suportar a fala, o que falou em nós, em cada análise, mas a mudez (de a Coisa, das Ding). A falta de palavra. Observo que o Sujeito, o barrado, se apaga cada vez que aparece na fala.


 

*Texto escrito a partir do trabalho realizado em 2020 na AEPM com o Seminário VII de Lacan: A ética da psicanálise.