A causa e o objeto a

Márcia Teresa Pinto

Lá onde sou causada,

Isso me determina, 

Isso mexe, Isso se atravessa.

Ninguém marca a batida.

 

Como é que o objeto pequeno a ganha significação de (-φ) ?

Lacan enfatiza que aquilo que organiza a relação do sujeito com o mundo, com o Outro é uma falta fundadora; em sua acuidade, não hesita em introduzir aí a questão da causa e faz dela o ponto nodal do inconsciente – aquilo que causa o sujeito, a causa do desejo. Nessa direção, da relação do desejo com a linguagem, nos conduz para a sua invenção e construção, de modo rigoroso, estabelecendo neste mesmo movimento e, por seus efeitos, a dimensão do objeto da psicanálise, do objeto a, mostrando sua incidência na clínica, naquilo que é esse objeto que nos comanda, nos organiza.

Há uma falta, um buraco e algo que vem oscilar no intervalo. É nessa hiância que algo acontece. No domínio da causa, Lacan introduz a lei do significante, no lugar onde essa hiância se produz pelo modo de desfalecimento, rachadura…

O que se produz nessa hiância se apresenta como um achado que está sempre prestes a escapar de novo, instaurando a dimensão da perda. Essa falta transformada em perda, isso é a introdução do falo como (-φ)? Bom, esse é o caminho que faço agora, articulando-os.

Penso que essa falta que não pode faltar, presentificada a cada vez na enunciação de algum ponto inesperado onde o sujeito se saca para logo se perder de novo, celebra esse ponto essencial da afânise do sujeito. Esse ponto extremo, “o ponto imaginário onde o ser do sujeito reside” e subitamente não pode sê-lo. (p.454). É um real articulado no simbólico, “[…] o termo “ser”, se ele quer dizer alguma coisa, […], essa coisa é o real, na medida em que se inscreve no simbólico. ” (p.408). Esse desconhecimento nos dá a direção de que ele só está lá nos intervalos, nos cortes. É por isso que o objeto imaginário da fantasia em que ele procura se sustentar, é assim estruturado. É como corte, como intervalo que o sujeito se encontra no final de sua interrogação. É esse  na fantasia que Lacan vai chamar “de fenda, de hiância, algo que, no real, é ao mesmo tempo buraco e lampejo” (p.453).

Nesse movimento, esse objeto que cai, o objeto a causa do desejo, esse resto, esse algo irredutível não demandável, é um efeito inevitável do funcionamento do significante. Por isso que o objeto a sempre, inexoravelmente, vai retornar, porque é errante.

Mas, o que dá o valor do objeto pequeno a é uma sanção puramente simbólica, sanção própria que o falo opera em sua função significante. Significação simbólica da perda irredutível que faz dele objeto causa do desejo e, portanto, o objeto na fantasia como forma de corte em que o a mostra sua forma.

Nesse ponto fui remetida a uma frase de Lacan no seminário 10, A Angústia, que me fisgou, que me interroga. Ele diz que a fantasia é o numa certa relação de oposição com a. Seria isso o índice de uma certa posição do sujeito no desejo? A subjetividade focalizada na queda do falo?


 

*Texto escrito para a Jornada do Seminário na AEPM, ocorrida em junho de 2022, a partir do Seminário VI de Jacques Lacan: O desejo e sua interpretação.