O analisante procura determinado analista por considerar que nesse há algo que pode o ajudar, retirá-lo de seu estado de sofrimento. Determinado analista? Determinado por um traço, traço de identificação.
Os pós-freudianos se arraigaram a um “trabalho analítico” pautado na relação entre um eu ideal fraco e um eu ideal forte. Ficaram na relação de reciprocidade; daí acreditarem na contratransferência – o próprio palco das identificações imaginárias. Ficaram na relação. Nada me vem que permita conceber algo de analítico aí.
Freud se deu conta de que o fato inconveniente que interrompeu o tratamento de Anna O. foi Breuer não suportar a transferência e, com isso, o sexual. E isso não por ser transferência positiva ou negativa – o que convenhamos Lacan mostrou não ser do que se trata. Quando há transferência, há o lugar do morto. Um morto que não joga e, ao mesmo tempo, faz toda a diferença. Coloca em questão o traço de identificação do analisante.
Transferência não é identificação, mas é possível a transferência sem identificação? Sem um dos três tipos apontados por Freud? É uma identificação que não é sem i(a), mas que, se há um analista aí, a análise mostrará o percurso retroativo do $ ao I(A). Na mensagem invertida do paciente neurótico, a fantasia sofrerá um corte pelo objeto. O analista está no lugar do Ideal do Eu na análise, lugar vazio a partir do qual o analisante tem que se haver com a sua falta, a cada vez. Isso vai tornando difícil buscar fechar o significante em algum significado.
Psicanálise é uma práxis, o que implica o tratamento do simbólico pelo real. Freud fez muito. Contudo, termino – por enquanto – o meu trabalho com o Seminário VIII com o achado de que é de Lacan a noção de Outro. Da outra cena onírica, Lacan escancarou o Outro como um lugar esburacado na neurose, que, em sua articulação ao objeto a – esse furão – faz furo não apenas no saber sabido. O saber inconsciente é inteligente. Não é apreensível.
Surge agora outra questão: a transferência é a cada vez? Ela se renova em sua repetição? Há o amor. Lacan precisou ir ao “Banquete” para atestar que, na transferência, há o amor. Com o amor, há um pedido. “Só o amor permite ao gozo condescender ao desejo”. Frase que continuará enigmática. Que permaneça assim.
Da transferência de amor à transferência de trabalho. Em uma análise, não se trata de amor cristão. Trata-se de desejo. Com o desejo, o Inconsciente enquanto discurso do Outro se desvela. Discurso que encontra outras cadeias na análise. As cadeias se rompem, sendo possível que aprisionem menos.
Da identificação à transferência. Uma análise não oferece garantia. Possibilita uma alternativa. Não é pela identidade do analista, mas por sua alteridade.
* Texto escrito para a Jornada de Cartéis em dezembro de 2023